Newsletter Instante Perecível #29
Newsletter Instante Perecível
Olá pessoa querida, espero que essa news te encontre bem, dentro do possível.
Hoje eu te trago:
- um texto sobre o beija-flor que mora aqui em casa
- uma poesia sobre a ventania
- curadoria de afetos
- dois livros que eu li recentemente
- o último episódio do @literapia.podcast
Vem comigo?
Sessão com título Clariceano para compartilhar com você um texto autoral.
Algumas coisas não podem ser capturadas em palavras. Algumas coisas são tão raras e belas que qualquer tentativa de reprodução não faz jus ao momento vivido. Venho aqui tentar aprisionar esses momentos em palavras. Mas saiba, nunca vai ser o que eu vivi. Escrever é sempre essa tentativa de tradução do vivido. Como a palavra 'saudade' nos mostra, nem tudo tem tradução literal. Miss you/it nunca vai ser saudade. As palavras a seguir nunca vão ser o que eu vivi. Mas já me conformei que escrever é guardar, e, ao mesmo tempo, é o exercício de perder. Não tente me entender. Só sente (o que quer que as palavras reverberam em ti).
Um beija-flor. Começa assim. Não é qualquer beija-flor. É o beija-flor que vem me visitar. Ele, que a cada estação vem fazer ninho nas árvores aqui de casa. Com um tom azulado esverdeado, quer imitar o mar em suas asas. Tem vezes que ele paira sobre o céu e parece me observar. A minha fantasia é que ele me conhece e traz boas novas sempre que aparece. Ele tem um canto meio estalado, que eu reconheço de longe. Ele tem filhotes, e quem sabe são eles que sempre voltam. O fato é que o beija-flor some de vez em quando. E eu sinto a sua falta. Alguns dias eu fico só observando o quintal, tentando encontrá-lo, mesmo sabendo que ele não estará lá. Eu não perco as esperanças. Observo, observo, sempre querendo encontrar. Até que no domingo eu estava sentada na sacada, que é abraçada pelos ciprestes do jardim. Eu estava com o Caio Fernando Abreu, mas eu mal conseguia me concentrar na leitura. É que a todo o momento os pássaros voavam e cantavam por dentro do cipreste. Um bem-te-vi me olhava dentro dos olhos, e tudo que eu podia fazer era olhar de volta para ele. O olho sedento que é capturado pela beleza. O bem-te-vi se foi. Cansou da nossa brincadeira de encarar até alguém piscar. Pisquei. E ele se foi. Eu não conseguia mais voltar pro livro, eu só conseguia olhar em volta e sentir. Até que comecei a minha viagem-espera-busca pelo beija-flor. Será que ele voltou? No meio dos galhos do cipreste eu vejo um movimento conhecido. Um pássaro que voava mais ligeiro que os outros. Um pequeno borrão que eu já reconhecia com o coração dos olhos. Era ele, o beija-flor. O meu beija-flor (que não é meu coisa nenhuma). Ele saiu do meio dos galhos, rápido, discreto, delicado, e parou na flor vermelha de uma bromélia para sugar o néctar. Neste momento eu nem respirava. Me sentia tomada pela beleza do momento, e ao mesmo tempo, eu me sentia clandestina, como se eu não pudesse estar presenciando tamanho milagre. O tempo parou nas asas do beija-flor. E os meus olhos tatuaram esse instante na pele da alma. O beija-flor é um mistério. Como a sua presença me captura, me fura. Eu e o instante-beija-flor viramos um só. Depois volto a mim, com a certeza de que algumas coisas não podem ser capturadas em palavras. Ou podem. Guardo aqui apenas uma fração do vivido. O resto não tem descrição possível. Eu senti. Eu vivi. O irreproduzível. O irredutível. O irrepetível. Fenômeno beija-flor.
Beija-flor bordado por mim
Eu me curvo para a ventania
Humildemente corajosa
Deixo que o vento despenteie meus cabelos
Assim como ele despenteia as folhas das árvores
Elas me ensinam a ser flexível
Dançar no ritmo do vento que passa
Sempre passa
As árvores confiam
no sol
na chuva
no vento
Para espalhar suas sementes
As ventanias da vida podem ser assim
...
Por Bruna Berger Roisenberg
Emicida: AmarElo - Ao Vivo LINDO!! Eu sempre me emociono escutando Emicida, e esse show é TUDO!
Imóveis de Luxo em Família - reality show que acompanha o negócio da família Kretz, de agentes imobiliários. É bem água-com-açúcar, mas dá para ficar babando com as casas e apartamentos parisienses.
Natália Timerman no podcast Daria um livro - Sobre literatura e saúde mental
Para ler como um escritor - Francine Prose
Esse livro é bem bom para quem quer escrever, e aprender a escrever enquanto lê. Eu achei ele um pouco maçante, e a leitura ficou bem arrastada, talvez pelos inúmeros exemplos que ele traz. Você já leu? Me conta o que achou.
Os tais caquinhos - Natércia Pontes
Quem vai colar os tais caquinhos dessa menina? Uma infância roubada, uma casa empilhada de lixo e uma solidão que dói em quem lê.
"Virar mais mãe de mim mesma; era o que me restava. Ou nascer de mim como salvação. Quem sabe até adotar Lúcio como filho…"
Novo Episódio:
Ponto de fuga - Caio Fernando Abreu
O podcast Literapia foi criado para compartilhar trechos de escritos que eu amo. Lá tem algumas meditações, poesias, palavras-abraço para todos os gostos. Você também pode me seguir no @literapia.podcast
Que bom te ter aqui comigo!
Sugestões, palavras de amor, críticas e tudo o mais, é só me falar. Vou adorar te escutar.
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Te cuida e cuida dos teus amores!
Com amor,
Bruna Berger Roisenberg