Newsletter Instante Perecível #34
Newsletter Instante Perecível
Olá pessoa querida, espero que essa news te encontre bem, dentro do possível.
"Se eu não acho um modo de falar a mim mesmo a palavra me sufoca a garganta".
Clarice Lispector
Já passamos da metade do ano faz algum tempo e eu sigo aqui, há 34 semanas, usando as palavras como bote salva-vidas. Assim eu reafirmo o meu compromisso com a escrita.
Hoje eu te trago um texto, uma poesia autoral, curadoria de afetos, livros lidos e o último episódio do Literapia.
Vem comigo?
Sessão com título Clariceano para compartilhar com você um texto autoral. "Estava constantemente a pedir-me que prestasse atenção. Se prestares atenção vês corações e podes tirar medidas à felicidade. Como se houvesse uma fita métrica para isso."
Valter Hugo Mãe em 'As mais belas coisas do mundo.'
Esses dias eu estava caminhando no horto florestal perto de casa. Era sexta-feira e eu ainda carregava nos ombros o peso da semana. Andava sempre com um propósito: comprar doce de leite, encontrar o meu irmão, fazer um exercício, ir ver os macacos nas árvores. Até que no caminho o cheiro de mato invadiu os meus sentidos. Tão poderoso, que foi capaz de passar pela máscara pff2 e acordar meu corpo inteiro. O corpo cansado tem os sentidos dormentes, mas o cheiro do verde foi como um balanço gentil. Fui despertando aos poucos, e os meus olhos se espantaram de ver. Ver, olhar, admirar a imensidão de todas as cores ao meu redor. Encontrar os jacarés tomando sol, que mais pareciam pedras. Mirar os jabutis com as cabeças para fora do lago. Eu me lembrei de escrever. Às vezes a escrita me escapa, mas algo sempre me convoca a escrever novamente. Estamos sempre escrevendo, mesmo sem escrever. Para mim, escrever é um ato de admirar, que também é um ato de amar. É que eu escrevo com o corpo todo, e estou sempre me narrando. Mas para isso é preciso "raspar a tinta com que me pintaram os sentidos", como diria Alberto Caeiro. Despertar meus sentidos é despertar a escrita que me habita. Honrar a vida que pulsa sempre ao meu redor. É a paisagem externa e o silêncio da pressa que me despertam para a minha paisagem interna.
....
Ao escrever esse texto eu fiquei pensando: "será que eu escrevo sempre sobre as mesmas coisas?" Mais uma vez o pensar se impõe sobre o sentir com uma força mior do que eu gostaria. Talvez você que me lê com outros olhos pode me dar uma resposta. Eu ainda não sei, só sei que a minha escrita nasce desse lugar, um atravessamento que desperta alguma beleza e sentido no caos em que estamos vivendo. Vou percebendo que o meu saber se faz na repetição. Insisto em ver beleza, em te escrever sobre o que me captura. Concordo com o escritor Pedro Gabriel: “Escrever também é aliviar as angústias estacionadas.”
o instante é a célula da vida
tempo suficiente para despertar os sentidos
na pele
ficam todos os instantes
já esquecidos
o instante sempre nasce
e não volta
agora renasce
perecível
...
Por Bruna Berger Roisenberg
Never Have I Ever - Série Netflix (Eu adoro! Perpassa temas como luto, amizade, adolescência, relações familiares e amorosas. Tudo isso com uma pitada de humor deliciosa.)
Lições De Clarice Lispector Sobre Escrita - Podcast Pintura das Palavras
A Carol Grilo ilustrou com bordado esse livro incrível AQUI
Um sopro de vida - Clarice Lispector
Eu nem preciso dizer que eu amo Clarice, né? Segue um trechinho deste livro incrível:
"Se eu não acho um modo de falar a mim mesmo a palavra me sufoca a garganta atravessando-a como uma pedra não deglutida. Eu quero ter acesso a mim mesmo na hora em que eu quiser como quem abre as portas e entra. Não quero ser vítima do acaso libertador. Quero eu mesmo ter a chave do mundo e transpô-lo como quem se transpõe da vida para a morte e da morte para a vida."
A filha perdida - Elena Ferrante
Mais um livro dessa autora que me faz sentir amor e incômodo ao mesmo tempo. E eu amo isso. Nada mais humano do que esses sentimentos complexos, paradoxais, ocupando o mesmo lugar nesse meu corpo de afetos. Foi o melhor livro dela que eu li, tirando a quadrilogia (que estão entre os meus livros favoritos da vida).
"As coisas mais difíceis de falar são as que nós mesmos não conseguimos entender."
Novo Episódio:
Amar o inútil - Lygia Fagundes Telles
O podcast Literapia foi criado para compartilhar trechos de escritos que eu amo. Lá tem algumas meditações, poesias, palavras-abraço para todos os gostos. Você também pode me seguir no @literapia.podcast
Que bom te ter aqui comigo!
Sugestões, palavras de amor, críticas e tudo o mais, é só me falar. Vou adorar te escutar.
Se você perdeu as últimas news, pode ler elas aqui!
Te cuida e cuida dos teus amores!
Com amor,
Bruna Berger Roisenberg