Newsletter Instante Perecível #62
Newsletter Instante Perecível
aqui
te escrevo com vontade de futuro
ao mesmo tempo que empresto palavras
para o mês que passou
abril foi embora
com os dias lindos
ficaram memórias
essas linhas
palavras soltas
e a imagem dos plátanos em um fim de tarde
Vem comigo?
Sessão com título Clariceano para compartilhar com você um texto autoral. "No futuro vou lembrar da pandemia como um período em que achamos que não teríamos mais futuro algum. Foram dias semanas meses sendo assombrada pela falta de um futuro. Foi assim por aí também? Espero lembrar do momento em que esse futuro voltou: ouvindo a entidade Mateus Aleluia dizer que o futuro não acabou, que nós que sobrevivemos até aqui temos a missão de fazer com que o futuro sobreviva também."
Gaía Passarelli em Tá todo mundo tentando: lembrar no futuro
O mês de maio chegou junto com uma nostalgia do tempo. Estamos em maio, não sei como. Não vi o tempo passar, e, ao mesmo tempo, ele passa. Implacável. Abril, o mês dos dias lindos, passou como um borrão. Minha avó ficou doente, eu peguei dengue, meu pai pegou dengue, e a primeira viagem em dois anos foi marcada por dias tristes, corpos cansados e apenas um pequeno vislumbre do pôr-do-sol. Lygia Fagundes Telles morreu. O repelente virou parte da rotina de cuidados. Eu nunca mais quero visitar uma emergência de hospital. E mesmo sabendo que o nunca é impossível, que é pedir demais, ainda peço: nunca. Descobri que os 15 minutos que o teste de Covid demora para ficar pronto são os mais longos da vida. Dois testes, e eu permaneço ganhando a medalha da OMS (mesmo sem saber que uso ela teria, e a que custo). Tomei o primeiro café na rua. Voltei a atender presencialmente, no consultório. Levei a minha avó de 90 anos para conhecer o meu consultório pela primeira vez. As plantas ficaram mais de 15 dias sem água, e sobreviveram. Eu também sobrevivi 15 dias sem ler uma linha e sem escrever. Sobrevivi dois anos longe dos abraços, e eles seguem só como uma promessa para tempos melhores. Encontrei um livro da Clarice que era da minha mãe na prateleira de livros da minha vó. Guardo ele como um tesouro. Ainda tenho medo. E um senso de responsabilidade muito grande. Qualquer programa diferente me exige alguns dias de silêncio. Fiz o primeiro minicurso de escrita de si do ano. Alma nutrida e inspiração que lotou várias páginas do meu caderninho. A escrita continua me dando presentes pra vida. Retomei meus olhos de palavras. Tenho saudades de dançar e danço pela casa. Os sonhos seguem em suspenso, esperando uma brecha. O acaso me fez boa companhia esses dias. Fazia muito tempo que eu não escrevia, me desculpa o mal jeito. Me dou conta de que tenho que pedir menos desculpas. E me autorizar mais a falhar. O cupcake de red velvet é o meu favorito, e eu não sabia. Eu sei reconhecer um plátano na rua. Florianópolis quase não tem plátanos, uma pena. Gosto de caminhar escutando peixe voador. Gosto de caminhar escutando música, cantando alto por debaixo da máscara. Sabonete de lavanda, vela de lavanda, óleo essencial de lavanda. Bolo de milho, bergamotas do pé. Ainda deu tempo de ver o mar. Que saudades. Escrevo mais poesia, assim me encontro. Conservo meu silêncio nas entrelinhas, onde me escondo. Abril foi embora com os dias lindos. Ficaram as memórias, essas linhas, palavras soltas, cheiros, gostos, vontade de futuro e o som dos passarinhos.
Eu e a minha vó Nina no consultório
• Uma rosa só - Muriel Barberry
Muriel Barberry escreveu um dos meus livros preferidos: A elegância do ouriço. Nesse novo livro eu fui novamente fisgada pela beleza das histórias que a Muriel conta. A escrita poética da autora me fez viajar por Kyoto ao mesmo tempo em que viajava para dentro de mim mesma. Aí vai um trechinho:
"Quando Rose acordou e, olhando ao redor, não compreendeu onde estava, viu uma peônia vermelha de pétalas enrugadas. Alguma coisa passou por ela com um perfume de tristeza ou de felicidade fugaz. Em geral, esses movimentos internos arranham o coração antes de se desvanecerem como um sonho mas às vezes o tempo transfigurado oferece ao espírito uma transparência nova. Era o que Rose sentia, naquela manhã, frente a frente com a peônia que, em seu vaso delicado, desvelava seus estames dourados. Por um instante, pareceu-lhe que podia ficar indefinidamente naquele quarto nu, contemplando aquela flor, sentindo-se existir como nunca. Observou os tatames, as divisórias de papel, a peônia amassada; por fim, observou a si mesma como a uma desconhecida encontrada na véspera." Muriel Barberry
• Coração subterrâneo - Olga Savary
Que prazer conhecer a poesia de Olga Savary. Está entre os melhores livros que eu li este ano. Cada poema despertava os meus olhos de palavras para o mundo, e eu escrevi muito enquanto lia este livro. Até dediquei um poema para a Olga na edição #53 da news. Você pode ler ele aqui.
"Quero um poema ainda não pensado,
que inquiete as marés de silêncio da palavra
ainda não escrita nem pronunciada,
que vergue o ferruginoso canto do oceano
e reviva a ruína que são as poças d’água.
Quero um poema para vingar minha insônia." Olga Savari
Nova temporada de The Flight Attendant, na HBO Max
Os diários incríveis de Noemi Jaffe sobre a sua viagem a NYC, no Instagram da autora
Escuta não correspondida - cada pessoa é um universo inteiro - Crônica de Aline Valek
Novo episódio:
Os anos - Annie Ernaux
O podcast Literapia foi criado para compartilhar trechos de escritos que eu amo. Lá tem algumas meditações, poesias, palavras-abraço para todos os gostos. Você também pode me seguir no @literapia.podcast
Que bom te ter aqui comigo!
Sugestões, palavras de amor, críticas e tudo o mais, é só me falar. Vou adorar te escutar.
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Te cuida e cuida dos teus amores!
Com amor,
Bruna Berger Roisenberg