Caio F., os girassóis e a escrita
"queria te dizer pra não parar de remar, porque te ver remando me dá vontade de não querer parar de remar também.”
Querido Caio F.,
Ontem foi teu aniversário e eu nem me lembrei. Os dias andam corridos, e a pesquisa ocupa grande parte dos meus dias e pensamentos. Mas tudo aqui ainda é sonho. Toda vez que eu penso em ti, eu penso em querer a vida. Tu escreveu “eu quero porque quero a vida. É uma escolha. Sozinho ou acompanhado, eu quero, meu deus, como eu quero, com uma tal ferocidade, com uma tal certeza. É agora.” Toda vez que eu penso em ti eu me lembro dos girassóis, da curta e vibrante vida, do que sempre renasce e do que permanece. Caio, confesso que ando meio enferrujada na escrita, e atribuo a isso, meio supersticiosa, ter deixado os teus livros e os de Clarice do outro lado do mundo. Mas a vida ainda grita nos cantos, continuo remando, e ainda quero escrever sobre a necessidade dos sonhos para que possamos nos manter vivos. “A vida é tecelã imprevisível”, e eu deixo que a tua memória me chame de volta para a escrita, para olhar a vida com olhos de poesia. Caio, tenho nas tuas palavras a tua eternidade. Celebro a tua existência.
Com amor,
Bruna
…
Direto do túnel do tempo, uma outra carta que escrevi pro Caio, em 2021:
“Querido Caio F.,
Olho nos teus olhos impressos na capa deste livro. Eles me contam de um amor profundo à vida. Não um amor de praia sem ondas, calmaria, mas um amor de mar revolto. Neste mar dos teus olhos, eu vejo a sabedoria da impermanência da vida, um medo de que ela seria curta e de que tu não terias todo o tempo que merecias para viver neste plano. Talvez por isso tuas íris tinham cor de plátano, de quem quer viver tudo que merece viver. Olhos vivos de palavras que tinham um desejo profundo de registrar tudo: teus sentimentos, afetos, amores, e até mesmo as pequenas coisas do dia-a-dia. Tu escrevestes cartas para que nenhuma palavra se perdesse e perecesse nas linhas telefônicas. Tenho em mãos um pouco da tua eternidade. Eu me pergunto, vertiginosa, quantas histórias teus olhos escreveram mas as mãos não registraram? Eu te olho e vejo um coração gigante, querendo abraçar o mundo. Um coração que pega o meu pelas mãos e diz: “olha, eu sei que o barco tá furado e sei que você também sabe, mas queria te dizer pra não parar de remar, porque te ver remando me dá vontade de não querer parar de remar também.” Eu e você, em dois barcos furados, em tempos diferentes, no mesmo rio. Você sussurra no meu ouvido que a inquietude é a vida em movimento. Que está tudo bem endurecer, mas que sempre posso encontrar o caminho de volta para andar de braços abertos, viver a humanidade do corpo e escolher a vida. Tem dias que são polisipos, de pausa na dor. Você me oferece uma rosa com o cheiro da noite, brilho de estrelas e espinhos que furam. Com ela, um bilhete: “a vida não é adiável, a vida é hoje”. Eu te respondo, aonde quer que tu estejas, vem aqui tomar um mate e me conta das tuas ideias para mudar o mundo. Dentro dos teus olhos eu passeio por campos de alecrim que você plantou enquanto vivia para dentro de ti. Estamos amanhecendo. Como um girassol, tu vivestes tua mais brilhante vida.
Obrigada pela tua presença. Com amor,
Bruna”
meu Deus, que lindo! estava saudosa de te ler e fui logo arrebatada!
Que coisa linda essa edição <3