eu nunca sonhei em ser astronauta mas aqui estou flutuando no espaço sem chão longe de casa longe de mim vendo tudo fora de órbita o meu mundo visto de cima ficou ainda mais lindo eu só queria tocar os pés no chão
Para ler ouvindo:
Essa semana que passou foi uma montanha russa. E não foi fácil me acostumar com o vento nos cabelos, os altos e baixos, o medo e o frio na barriga. Tudo aqui já foi um sonho. Tudo aqui é lindo, limpo, organizado e seguro. Mas não é casa (ainda). E, por hora, isso é muito. O bastante pra transbordar em lágrimas todos os finais de tarde. Fiquei só como testemunha do meu corpo. Nada podia controlar as lágrimas de caírem. Bem que Freud dizia, não sou senhora em minha própria morada. Corpo é casa, corpo é casa, corpo é casa. Volto a ele, mato as saudades possíveis.
Aqui, de qualquer lugar, a todo tempo, eu vejo aviões passando. Uma ironia sem graça dessa cidade que eu já começo a amar (e não foi amor à primeira vista, como eu imaginava). Só um avião pode me levar para casa. Cada avião que passa no céu é uma saudade que percorre meu corpo todo. Estou em casa. Comecei a trabalhar no meu PhD, conheci o laboratório, os chefes e os colegas. Ainda me sinto uma astronauta pisando num planeta desconhecido, o que pode ser tão amedrontador quanto encantador. Saudade é o que eu mais sinto, em todos os momentos. Escuto Caetano cantar a oração ao tempo e peço para que o tempo seja gentil. Peço para que eu cuide do meu próprio tempo. Peço prazer legítimo e o movimento preciso.
Alguns dias dessa semana eu estava tão mergulhada numa saudade melancólica, que tive que ser lembrada do que eu mesma havia escrito. Lembra? Havia um sonho pulsando em desejo aí dentro. A voz do meu pai ressoando aqui a cada momento: te diverte. Coluna reta, mente quieta e coração tranquilo. Aos poucos fui colocando os pés no chão, lembrando que em tempos difíceis é preciso avançar em passos miúdos.
Fui escutando Maria, Maria para o trabalho, que é para não perder a mania de ter fé na vida (e porque música de Milton Nascimento é casa). Por aqui as águas de março estão mais para ventos desérticos de março. Que cidade quente e seca! Ainda assim, uma promessa de vida no meu coração. Vida nova, como eu tanto sonhei. Tantos lutos e perdas, que mesmo previstos, doem mais do que eu poderia imaginar. Uma amiga me falou: quanto maior o sonho, maior a renúncia. E eu sinto isso em cada célula do meu corpo. Aos poucos vou pousando nesse planeta Austrália. Fazendo dessas paredes uma casa. Fazendo dessas lágrimas uma chuva gostosa de se ouvir batendo na janela. Fazendo da saudade o meu lugar. Vou fazendo meu caminho, passinho por passinho, com muita música brasileira e com muitos amores (tão perto mesmo tão longe).
Ps: deixei minha flatmate Australiana viciada em Emicida ♡ e eu já posso dizer que deixei a minha marca neste planeta estranho.
Acabei de ler esse livro magnífico!!!
“Essa foi a origem deste livro, essa é a alquimia que ocorre em suas páginas: a transformação da vergonha, do medo, da intolerância, do desprezo e da incompreensão em alta prosa.”
Esse episódio (a segunda parte dele) complementou essa leitura maravilhosamente:
“A angústia peregrina que escava fundo e sem dó o estômago da solidão.
“Essa é outra escala de tempo, mas a mudança chega, ou melhor: não há absolutamente nada que não esteja mudando o tempo todo.” Carol Bensimon
Que alegria te ter por aqui!
A saudade fica mesmo...ela é um „lugar“, como você disse. E ela acolhe e aconchega também:) te cuida e te diverte 💛
Passinhos de formiga: lembra do quanto elas constroem de passinho em passinho e continue dando os seus :)