Ontem fez 1 mês que saí de casa para viver o sonho de fazer o PhD na Austrália (eu fiz um post na rede ao lado para celebrar esse momento:)
Viver tem sido, finalmente, melhor que sonhar. A realidade desse tempo foi tantas vezes mais dura que os sonhos. A realidade me atravessou com toda a sua complexidade de sentimentos e acontecimentos. O real se impõe para além dos meus planos, vontades e sonhos. A realidade reverbera no corpo. A realidade é a ardência do choro preso na garganta. A realidade é o enjoo no avião. As lágrimas que me inundaram quando as rodinhas do avião pisaram em terras australianas. A realidade é a saudade do abraço. A realidade é me sentir muito triste e muito feliz, ao mesmo tempo. A realidade é olhar para o passado, desejá-lo, e ainda assim aprender a construir um futuro, uma vida nova, todos os dias. A realidade é que cada dia eu me sinto mais em casa e mais estrangeira. A realidade me faz amar esse lugar cada dia mais. Num primeiro momento, sonhar era melhor do que viver. Sonhar uma vida nova, uma casa nova, o PhD, os lugares, as pessoas. Mas idealizar não é viver. E viver pode ser muito difícil, principalmente quando envolve perdas, lutos e despedidas. Ainda assim, viver é melhor que sonhar. E eu escrevo isso de peito aberto para sentir e viver tudo o que essa vida (tão real) me proporciona.
Viver é melhor, maior e mais complexo (e paradoxal) do que sonhar. Ainda assim, sem os sonhos eu nada seria. Sem meus sonhos eu não estaria aqui, vivendo eles na realidade. Tudo aqui já foi um sonho. Mas, depois de sonhar, é preciso abrir mão dos sonhos (e das suas idealizações) para enfim descobrir que viver é melhor que sonhar. Tenho pequenos momentos de lucidez no meio da rotina: "não acredito que estou aqui vivendo meus sonhos." E eles agora têm cheiros, gostos, lugares e memórias. Meus sonhos estão lambuzados de realidade, e isso é divino, maravilhoso. Me pergunto mais quantos sonhos doidos eu vou ter nessa vida e para onde eles vão me levar…
"Porque é preciso um coração, se não partido, ao menos um pouco rachado, para compreender o peso da liberdade."
Ilaria Gaspari
Notícias do lado de cá:
Essa semana eu fui buscar minha carteirinha de estudante da USYD, e fiz uma amiga na fila. Aqui basta uma mínima conexão legal para já adicionar a pessoas no insta, no whats, e já fazer planos para cafés e passeios. Todos sabemos que a solidão aperta e que os amigos viram nossa família escolhida. Também entreguei o primeiro rascunho do meu projeto de pesquisa, o que me deixou muito feliz. Conheci meus colegas de PhD e fomos juntos para a minha primeira trivia night num “hotel” perto da uni (aqui hotel = pub). Me diverti muito e fui a única a acertar quem era o autor de 100 anos de solidão (América Latina eu te amo tanto!!! - os pobis não sabem o que estão perdendo por desconhecer essa preciosidade). Estou acertando a mão no meu feijão e consegui encontrar pão de queijo congelado para vender. Também me entrego à culinária local: salmon avo toast e lamington cake. O café do 7-eleven dobrou de preço nesses 8 anos que fiquei longe da Austrália (a inflação chega para todos). “Bondi de Janeiro continua lindo” (leia no ritmo de “O Rio de Janeiro continua lindo”), pois o que tem de brasileiro em Bondi não é brincadeira. Eu entendo. Ô lugar lindo! E o bairro é bem do jeitinho centrinho de praia que amamos. Escolhi o dia mais nublado para ir pois morro de medo de tomar uma queimadura de sol (igual a que eu tomei há 8 anos atrás quando cheguei em Melbourne e até remédio tive que tomar). Old traumas die hard. Os maus entendidos linguísticos e as misturebas fazem parte do meu dia-a-dia (e eu acho que a próxima news vai ser sobre isso). Por falar nisso, se quiser entender a minha vida de PhD até agora todinha, leia esse texto da Aline Valek. Provavelmente esqueci de te contar alguma coisa, mas eu te conto nas próximas edições (se eu me lembrar). Um beijo da terra dos cangurus e dos TimTam`s.
Perto do coração selvagem
Estava precisando desesperadamente das palavras de Clarice Lispector para voltar pro meu corpo, para me sentir mais eu mesma. Gostei tanto desse livro (para a surpresa de absolutamente ninguém), que resolvi escrever sobre alguns trechos destacados do livro:
“Ele estava só. Estava abandonado, feliz, perto do selvagem coração da vida.” James Joyce (epígrafe do livro)
Para estar perto do coração selvagem da vida é preciso estar só. O mundo da solidão é selvagem. Atravessei o mundo sozinha para seguir os meus sonhos. Deixei a vida como eu conhecia para trás. Tantas perdas, tantos lutos, uma luta. Ninguém poderia fazer isso por mim, só eu, só, e meu coração selvagem. Se meu coração não fosse selvagem eu estaria no conforto da vida que sempre vivi. Que já não me bastava. Eu havia crescido para além da minha vida. Algo já não cabia. Perto do meu coração selvagem eu chorei tantas vezes de saudade e medo. Viveria eternamente em um entre. Sempre em um lugar, querendo estar em outro. Se escolho meus sonhos, fico longe das pessoas que amo. Se escolho ficar perto das pessoas que amo, definho entre as amarras do conforto da casa e da vida conhecida. Meu coração selvagem gritava. Para empreender essa mudança eu tive que me abandonar pelo caminho. E está sendo difícil me reencontrar nos fios rompidos de uma vida já tão distante. Eu e meu coração selvagem vamos fiando novos fios de vida. Mas eu te digo, aqui, ao pé do ouvido, selvagem mesmo, Selvagem com letra maiúscula, é amar. Haja coragem, haja coração selvagem. Amar os sonhos, amar à distância, amar uma vida desconhecida, amar um futuro incerto, amar as ruínas, amar as surpresas no caminho, amar as pessoas todas, de pertinho, amar um país, amar dois países, amar o entre, amar a saudade que aperta o peito, amar a memória, tão linda e traiçoeira, amar as lágrimas, amar as descobertas, amar as mudanças, inevitáveis, amar estar perdida, amar me reencontrar, amar, de coração selvagem e peito aberto essa vida que eu criei para mim.
(me diz se você gostou! talvez na próxima edição eu te mostre mais do que eu tenho escrito)
Agora,
"Tudo em mim é grande
Eu ajoelho pra que aviões passem
Eu levanto para que as nuvens andem
Eu afundo pra que os mares se acalmem
Me retiro pra que a lua brilhe
E nesse instante, declaro: fim das tentativas!" Rico Dalasam
Que alegria te ter por aqui!
Bruna querida, já li a newsletter faz uns dias, mas não consegui vir aqui comentar com o que ela reverberou em mim. Vamos lá, vou ver se me recordo...
A primeira coisa que me veio à mente foi uma frase que me ajudou nos primeiros meses morando fora de casa: „wherever you are, be all there“.
Na época, precisei pedir pros meus pais pra falarmos só uma vez na semana, já que sentia que ia dormir querendo voltar pro Brasil...foi difícil, mas necessário!
E a outra coisa que queria te dizer é: siiiim, divide mais desses seus textos inspirados nas suas leituras! 🤍
Bruna, cheguei por indicação da news da Priscila Pacheco. Me identifiquei tanto nos seus sentimentos. Hoje li uma citação da Ana Suy que diz que "viver bem é sustentar cada vez mais faltas." Estou ruminando ela, me perguntando se é por aí mesmo. Agora você trouxe mais insumos para esse processo. Obrigada.