caminho de mãos dadas com a minha menina sempre em frente até abraçar as rachaduras e descobrir que é por elas que a luz entra que é pelas brechas que se faz a vida
"Quando você pensa no futuro, como acha que ele vai ser? Como a natureza será? Sua cidade será diferente?"
Assim começa o filme Sempre em frente, de Mike Mills, com perguntas. São elas que permeiam o filme todo numa costura bonita que nos faz refletir sobre o futuro, o passado e o presente. Um tio e um sobrinho, cada um aprendendo como é ser quem se é. O cuidado permeia essa relação, à princípio repleta de estranhamentos e familiaridades.
Um tio que ensina o sobrinho a expressar as suas emoções, enquanto ele mesmo aprende sobre as suas próprias emoções. As relações podem nos adoecer e nos curar. Na relação retratada no filme vemos a cura pelo amor e o resgate de laços. E quem pode fazer laços com uma criança, faz laços com sua própria infância.
Nenhuma criança se pergunta se vale a pena viver. Para as crianças a vida está dada e fala por si própria. E nós adultos, tão apartados da criança que fomos, que somos, vivemos a vida buscando um sentido, sem lembrar que é possível estar no mundo de forma tão intensa que até o barulho das ondas pode ser o bastante para que se valha a pena viver. Às vezes, apresentar o mundo a uma criança faz com que se valha a pena viver.
As crianças são guardiãs da esperança. É assim que eu vejo esse tio, tendo o seu mundo transformado, alargado, esperançado no encontro com o sobrinho. Uma das cenas mais bonitas é quando o tio lê uma história para o menino. A história dá um corpo de palavras para os sentimentos dos dois. A história é uma bússola e um bote para a travessia. Um gesto tão simples, tão potente: ler para uma criança. Arrisco dizer que é uma das coisas mais lindas da vida. Muitas das minhas memórias preciosas da infância envolvem algum adulto lendo para mim.
A memória e o esquecimento fazem parte de quem somos. A memória é ficcionista. O tio grava os sons, grava os seus dias, os diálogos com o sobrinho, como uma forma de guardar um pouco do que é mais trivial e passageiro para a eternidade. O tio diz que o sobrinho provavelmente não vai se lembrar desses dias que passaram juntos. Parte da beleza da memória é que nunca sabemos o que ela vai guardar, o que vai ser importante. O sobrinho garante que não esquecerá. O tio garante que irá lembrá-lo.
Quem foram as testemunhas oculares da nossa infância? O que essas pessoas lembram desse período tão importante nas nossas vidas? O que nós lembramos? O que inventamos, floreamos ou esquecemos com o tempo? Quem nos lembrará?
Também escrevo aqui para guardar os detalhes deste filme tão lindo, com medo que ele ganhe um tanto de esquecimento com o tempo.
"Você já pensou no futuro? Já. Tudo que você acha que vai acontecer nunca acontece. Coisas que você nunca pensou acontecem. Então você precisa ir... sempre em frente."
Assim termina esse filme que continuou morando em mim. Sempre em frente, com o coração quentinho e a certeza de que há cura através das relações quando há abertura e entrega mútua e genuína.
Escute as feras - Nastassja Martin
Esse livro já se tornou um dos meus preferidos da vida. Eu quero muito escrever sobre ele, quem sabe dedicar uma news inteirinha só para ele. Por enquanto ainda guardo esse livro debaixo da pele.
Rachaduras - Natalia Timerman
Natália Timerman nos faz mergulhar na vida dos seus personagens até encontrar as rachaduras: o que não é inteiro (nem nunca pode estar), o que não está intocado, o que está quebrado. Adentramos o vazio e descobrimos: é pelas rachaduras que a luz entra. É pelas rachaduras que podemos ser quem somos. É pelas brechas que se faz a vida.
"Renato sai da sala, e a terapeuta se esforça para não o julgar. Pensa na região obscura que pertence a cada pessoa, aquela que permanece inacessível mesmo aos parceiros mais íntimos. Uma região própria. Mas depois volta atrás: uma região própria não se abriria do avesso dessa forma. Ah, Renato. Temos que chegar até sua região própria. Quem sabe você assumindo sua dor ela passa? Faz algumas anotações, fecha os olhos por uns quarenta segundos e chama o próximo cliente." Natalia Timerman em Rachaduras
Que alegria te ter por aqui!
Assisti Sempre em frente por conta da sua newsletter e que delicadeza de filme! Tenho gostado muito dessas obras, assim como a série This is us, que além dos conflitos inerentes à qualquer vida humana, mostram também possibilidades construtivas de resolução, uma espécie de letramento emocional