aqui escrevo sobre o impossível somente possível pelas palavras escritas um chá com Lygia Fagundes Telles a vida de Sylvie mulher da selva uma vida inventada sobre o que carrega um nome
O que carrega um nome?
Sylvie, quando eu soube que tua mãe te daria o meu nome, confesso que fiquei mais assustada do que lisonjeada. Não, não era modéstia, era medo de que você carregasse consigo o que quer que carrega um nome. Fiquei com medo de que a minha história penetrasse em cada letra do meu nome, que agora seria o teu nome, e eu não queria te dar a minha história. Não inteiramente, pelo menos.
Eu tentei dissuadir a tua mãe, mas ela sempre fez o que queria. Ainda bem. A tua mãe é parte de quem sou, mas eu sempre me esforcei para que ela não precisasse repetir a minha história. Algumas coisas ela repetiu, pois, é inevitável repetir. Dentro de cada repetição tem um pedido escondido, querendo ser escutado. Algumas vezes, quanto mais a tua mãe tentava se afastar de quem eu era, mais ela se afastava de quem ela era. Para não se parecer comigo, ela tentava parecer ser outra pessoa, que não ela mesma. E essa sempre fui eu. Alguém que não podia ser exatamente como sou. E quanto mais ela fugia para longe de mim, ela fugia para longe dela, e mais parecida comigo ela ficava. Mas, diferente de mim, ela nunca suportou ser quem não era. Então ela se rebelava só para voltar a ser ela mesma, sem precisar caber em nenhum molde imposto por quem quer que seja. Ela era ela. Eu era eu. E nós éramos diferentes.
Sabe, Sylvie, nós temos o mesmo nome, mas eu quero que tu saibas que não precisa carregar o que quer que o meu nome carrega. Sim, parte da minha história é a tua história, e isso nunca poderá mudar. Mas a história também é presente e se renova enquanto se vive. Então, Sylvie, cria a tua própria história, e saiba que estarás recriando a minha. Aprende a te diferenciar nesse mundo. Se orgulhe de ser a tua própria pessoa, e não te envergonhes. Te rebela, sonhe sonhos malucos, e nunca deixe de ser quem tu és para caber em nenhuma expectativa. Te escolhe, te estranha e te transforma a cada passo. Não tente com muito afinco encontrar um sentido nas coisas, a vida pode mesmo não fazer nenhum sentido. Aprende a não dar conta, a desistir, a cansar. Isso também é parte de viver verdadeiramente. Foge das verdades absolutas e dos pedestais que escravizam partes nossas. Sylvie, recebe o meu nome, mas saiba que ele agora é teu, apesar de ser sempre nosso. Faça do teu nome, da tua vida, o que você quiser.
Durante aquele estranho chá - Lygia Fagundes Telles
Que maravilha tomar um estranho chá com Lygia Fagundes Telles! O meu conto favorito do livro é o primeiro, em que Lygia relata um sonho que teve com Clarice Lispector. Aí vai um trechinho:
Que alegria te ter por aqui!