aqui escrevo sobre partir para não partir cindida pelas palavras não escritas encontro mulheres que me habitam e sussurram suas histórias partes minhas que vivem em palavras escritas
Para ler ouvindo:
"A ponto de partir, já sei que nossos olhos sorriam para sempre na distância. Parece pouco?" Ana C.
Estava a ponto de partir. Talvez até tenha passado do ponto. Algo dentro dela já estava partido. Não, não houve um grande acontecimento que marcasse uma quebra em sua vida. Apenas pequenas rachaduras. A rotina, os afazeres, os sonhos que iam partindo. Ela havia se abandonado.
Passava todos os dias pela estação de trem da cidade no caminho para o trabalho. Até que um dia quase foi atropelada por um homem que saía apressado em direção à rua. Meio zonza pelo baque e pelo susto, ela resolveu entrar na estação. Sentou em um banco vazio no vão amplo e movimentado. Encontrou ali algo que não sabia que procurava. Desde então passou a frequentar a estação.
Ali, entre chegadas e partidas, era onde ela mais gostava de ficar. Estava sozinha no meio de uma multidão. Gostava de imaginar a vida das outras pessoas, seus trabalhos, seus amores, o que gostavam de fazer. Ela não era ninguém no meio da multidão. Ela era parte da multidão. Ela pertencia, finalmente.
De tanto imaginar como seria a vida dos passantes, começou a imaginar a sua própria vida. Quem era ela? Como os outros a viam? E se ela se mudasse? Quem ela ainda poderia encontrar? Que lugares ela ainda poderia conhecer? A vida dela se repetia na estação, mas nunca era a mesma vida. Até que foi preciso mais. Algo pulsava dentro dela, nascido da espera, do vazio e das horas que passava observando as vidas que passavam por ela. A sua vida. Também passava.
Decidiu que precisava partir. Esse tempo de espera na estação, enquanto não esperava por ninguém, por nenhum trem, era o tempo de espera por ela mesma, por seus sonhos, seus desejos. Ela soube fazer da espera o tecido de sua vida. Uma ausência. Uma possibilidade. Um trem. Para qualquer lugar.
Tomou coragem, uma que nem sabia que tinha, respirou fundo e partiu. Deixou uma parte sua na estação, levou uma parte da estação para sempre consigo. Era feita de chegadas e partidas. Agora sabia, era preciso partir para chegar a si mesma.
Tantas que aqui passaram - Maria Luiza Machado
Um lugar, um caminho, o corpo, a poesia. Maria Luiza faz de cada mulher uma cidade, um acontecimento. Passamos por aqui, não saímos ilesas da poesia de Maria.
Clarissa [...] por um bom tempo devido ao deslumbramento que sempre lhe atravessa diante de sua presença enquanto a encara a cada dia como se fosse alguém novo alguém com um estoque diário de surpresas a serem puxadas do bolso ainda que seja só uma palavra ao pé do ouvido dita de um jeito diferente da vez anterior ou a troca de perfumes [...] Maria Luiza Machado
Estou AMANDO acompanhar o diário de viagem da escritora Martha Medeiros em seu Instagram:
Que alegria te ter por aqui!
que texto lindo! eu amei! e ainda estou buscando coragem para partir ...