estar perdida é só uma forma de se encontrar aqui escrevo para me perder em palavras só para me encontrar inteira outra vez
“Saber orientar-se numa cidade não significa muito. No entanto, perder-se numa cidade, como alguém se perde numa floresta, requer instrução. Nesse caso, o nome das ruas deve soar para aquele que se perde como o estalar do graveto seco ao ser pisado, e as vielas do centro da cidade devem refletir as horas do dia tão nitidamente quanto um desfiladeiro. Essa arte aprendi tardiamente; ela tornou real o sonho cujos labirintos nos mata-borrões de meus cadernos foram os primeiros vestígios. Não, não os primeiros, pois houve antes um labirinto que sobreviveu a eles" Walter Benjamin
Eu escuto diversas vezes na clínica: “Estou perdida.” Essa frase vem (quase) sempre carregada de sofrimento. Estar perdida, sem caminho, longe de si e dos seus desejos. Se perder em uma cidade pode ser muito angustiante. Não ter direção, não ter controle. O perigo se espreita a cada esquina. A surpresa também. E nem sempre surpresas são ruins. Eu diria que, na melhor das hipóteses, nós vamos nos perder. E isso não significa que vamos estar perdidas para sempre. Se perder pode ser uma outra forma de encontrar um novo caminho.
A palavra perdido em inglês é lost, que vem do norueguês los, que significa o momento em que os soldados saem de sua formação, o exército se dispersa, vai para casa, descansa, uma trégua. Rebecca Solnit escreve que não se perder é não viver. No início desse ano eu fiz um curso de escrita com a Aline Bei (maravilhosa!!). Ela diz que escreveu “O peso do pássaro morto” como um exercício do verbo perder. A Aline me ensinou a escrever sobre as perdas. Escrever é perder, afinal, nunca podemos escrever sobre tudo, abordar todos os temas (isso seria impossível e já é exaustivo só de imaginar). Escrever é se perder e mesmo assim não parar. Escrever é atravessar a encruzilhada, não saber para onde ir, e ainda assim escolher continuar (o processo terapêutico também é assim). Escrevemos a partir das nossas faltas, nossos abismos, nossas perdas. As palavras são ausências-presentes.
Eliane Brum escreveu essa coluna incrível com o título-convite: desconhece-te a ti mesmo. Ela escreve:
“Acho que as buscas mais interessantes começam com frases como: “Não sei mais quem eu sou” ou “Não tenho ideia de quem eu sou”. Ótimo, podemos dizer que começamos a nos conhecer. Claro que só para nos perdermos logo adiante. Afinal, para que mais serve a vida?”
É preciso um estado de muita presença para se perder. É preciso ser muito sensível para se permitir ter um corpo que se perde. Perder não é o oposto de encontrar. Perder é o caminho para encontrar. Encontrar o que? Aquilo que nem esperávamos encontrar, se tivermos sorte e estivermos abertos.
“A maneira de reconciliar essas histórias variadas não é uma essência: "sou isso" ou "sou aquilo". Para mim, isso se dá por meio da escrita; a tentativa de entender, formulando essas estranhas configurações de identidade e de pertença, é a única maneira como consigo não ser engolfada por sentimentos de revolta ou de arrependimento. Onde virar, que trajeto seguir; ir por uma rua não é ir por outra, escrever sobre alguma coisa é ignorar um monte de outras que precisamos deixar de fora para que o texto seja legível. Cada frase é uma encruzilhada.” Lauren Elkin em Flâneuse
Estou participando do #literoutubro da #toranjanews:
Aprendendo a viver (imagens) - Clarice Lispector
Um livro lindo, repleto de imagens e frases de Clarice.
Queria ser grande mas desisti - Bárbara Bom Angelo
Eu sou muito fã da Babi! Fico fazendo felicidade clandestina, esperando ansiosa a news que ela manda toda semana. Esse livro é um apanhado de diversas edições da news dela. Um livro super gostoso de ler (como tudo o que ela escreve)!
“Gosto do caráter íntimo e direto de uma carta enviada por e- mail. Você recebe enquanto quiser e lê quando puder, sem as artimanhas tipicamente presentes nos feeds das redes sociais. E da minha parte, escrevo sem pensar em likes e comentários que possam estimular o algoritmo. Quem está aqui está aqui porque quer.”
“Escrever é a forma como eu faço sentido do mundo e não poder transbordar em palavras com a frequência que eu gostaria... me deixa bagunçada.”
“Vejo as newsletters como um movimento de resistência contra o conteúdo condensado que as redes sociais nos empurram goela abaixo. Como costumo dizer aqui, eu me recuso a tratar de assuntos complexos através de frases de impacto que cabem em 3 quadrados de texto. E ver que não estou sozinha nisso me anima.
Escrever textos mais longos é quase como uma rebeldia; em um mundo acelerado, a gente permanece olhando para as coisas com atenção. Estamos de corpo e mente fincados no aqui e agora. Estamos coletivamente elaborando o nosso mundo, o nosso tempo. Olhamos para o passado pensando no presente. E discutimos o presente nos responsabilizando pelo futuro. ⌛”
Vanessa Guedes
Fiquei BEM feliz que a Annie Ernaux ganhouno nobel de literatura. Vem ler essa resenha da Thaís Campolina
Que alegria te ter por aqui!