"É impossível ‘capturar a vida’ se a gente não mantém diários"
escreveu Sylvia Plath
e eu concordo
escrever diários é capturar os dias
capturar as horas que se viveu
e que seriam esquecidas
se não fosse o diário
e suas páginas em branco
que aceitam tudo
até o nosso silêncio
e nossos esquecimentos
"Lembra que o diário era alimento cotidiano? [...] Diário não tem graça, mas esquenta, pega-se de novo a caneta abandonada, e o interlocutor é fundamental. Escrevo para você sim." Ana C.
“Faz vinte dias não olho o espelho” me diz ela. “Faz vinte dias não escrevo palavra” digo-lhe em revide. Estaríamos a falar da mesma coisa?" Ana C.
Essa news é uma declaração de amor ao diário. Eu amo escrever diários desde pequena. Lembro daquele modelo com cadeado e chave que vendia nas lojinhas de 1,99. Eu amava rabiscar os meus dias, desenhar, colar figurinhas. Lembro de um diário compartilhado com as outras crianças do prédio. Funcionava assim: cada página do caderno era uma pergunta. Qual sua cor favorita? Comida favorita? Nome do seu bichinho de estimação? O caderno ficava alguns dias na casa de cada criança para preencher e ler as respostas anteriores. Era um tesouro.
Os diários sempre foram meus confidentes. Companheiros nas horas de maior angústia. Aprendi com a minha mãe a fazer diários de viagem. Muitas vezes, no fim de um dia de muita caminhada por um lugar completamente novo, todos exaustos, e minha mãe lá, fiel ao caderninho que guardaria nossas melhores lembranças. Quem escreve diário de viagem não precisa voltar nunca pra casa.
Cada página do diário carrega um dia vivido e muitos momentos que seriam esquecidos se não fossem escritos. A escrita dá importância pra cada desimportância vivida. A página em branco aceita tudo. Tudo mesmo. O diário é memória viva. É espelho, é tesouro, é âncora. A memória é ficcionista. A escrita também. Ao escrever o diário, vamos escrevendo a nós mesmas. O diário é uma passagem para olhar o passado novamente, com novos olhos. O diário é a minha conexão com o presente. Tantas vezes eu só sei o que sinto porque escrevo. E nem precisa ser um texto com começo-meio-fim. Só uma notinha de rodapé, um coração rabiscado no canto da página, uma única palavra (que carrega um universo todo). É com as páginas do diário que eu me encontro no tempo, que eu faço o meu tempo.
Já experimentou escrever um diário falso? Escrever na pele de outra pessoa, morando em outro lugar, vivendo outra vida? Garanto que não há exercício mais divertido - e perigoso. Esse outro pode carregar um tanto de nós mesmos, partes que nos são desconhecidas.
Eu também amo ler diários.
O da Noemi Jaffe durante a pandemia salvava os meus dias.
O da Leda, filha da noemi, breve e tão verdadeiro.
O da Fal, que é o melhor grupo de whats existente, e que já me emocionou tantas vezes.
“Seu diário deve ser pessoal. Ele pode ou não descambar para a ficção (e logo de saída, é melhor que não descambe). Esse é o registro que vai falar dos seus dias. Do seu cotidiano. Da compra no mercado, das gracinhas do seu filho, do seu horror por dobradinha. Talvez, na sua caminhada de escriba, ele se torne dispensável, quem vai saber? Mas por ora, peço a você que faça um registro. Pessoal. Íntimo. No caderninho, na tela do celular, no computador, como for melhor.
Registre o que você pensa, o que você vive, o que você vê. E não se esqueça de registrar também o que você ouve. Registre.”
Os diários de viagem da Martha Medeiros.
As páginas do diário da Júlia Hansen.
Esse romance em forma de diário (e esse caderno proibido, como um espelho que escancara o que não se quer ver, mas que também é a saída pra uma vida bem vivida).
Um caderno simples, capa preta, que a atrai e apavora, que é como escancarar uma janela, como andar pela rua para descobrir, para se perder. Blanchot afirmou que “quem escreve um diário é, mais do que qualquer outro, obrigado a ser sincero: a sinceridade é aquela transparência que o proíbe de lançar sombra sobre os limites da existência de cada dia, ao qual restringe seu cuidado de escrever”. Escrever se torna, de fato, nas mãos de Valeria (a protagonista do livro), um instrumento para arrancar as máscaras de todos que a circundam, e dela mesma.
“Aprender a compreender as coisas mínimas que acontecem todos os dias talvez seja aprender a compreender realmente o significado mais recôndito da vida. Mas não sei se isso é um bem, temo que não” (p. 36 - Caderno proibido, Alba de Céspedes).
Fotos do meu diarinho:
Belo mundo, onde você está - Sally Rooney
O livro da Sally Rooney que eu menos gostei, talvez pelas personagens não terem me marcado tanto quanto as dos outros livros. “Conversas entre amigos” segue sendo o meu preferido. Ainda assim, é uma leitura gostosa e que segue o mesmo estilo dos livros anteriores da autora.
A filha primitiva - Vanessa Passos
Um livro lindo, forte, devastador. 3 gerações, dores, abandonos e muita força.
“Ainda sobre o tempo, há pouco, desejava profundamente uma, só uma, dessas horas lentas. Desfrutar (desfrustrar?) de minha própria companhia.“
Que alegria te ter por aqui!
Que estante mais maravilhosa, Bruna. Esbarrei aqui agora e já te adorei.
Também sou apaixonada por diários. Adorei sua seleção.