Estou em casa e chove o dia todo, mas meu coração está em Paraty. Minha alma passeia por aquelas ruas de pedras tão desconhecidas. Conheço só o meu desejo, que me teletransporta para essa cidade, nesse tempo de celebrar encontros e paixões. Palavra. Literatura. Escrita.
No sofá, abraçada nos meus cachorros, finjo que estou em Paraty. Abro o vídeo do Youtube como se entrasse naquela sala. E, de repente, estou diante de Annie Ernaux.
Na abertura da mesa, que se chama Coração rubro (e que também conta com a presença das maravilhosas Veronica Stigger e Rita Palmeira), uma lembrança, um pedido: "A gente devia sonhar mais e ter coragem de reivindicar a mudança." Annie Ernaux escreve com coragem, e reivindica a mudança em cada palavra. Ela, linda, com seu vestido verde mar, andando com sua elegância pelas ruas de Paraty. Não estou lá, mas posso imaginar com perfeição essa cena (que me comove).
Como escolher o meu Ernaux favorito? Quando todos os seus livros são a vida escrita. Escrita viva. Como escolher? Escolho todos. Viver é escrever, e ler é viver muitas vidas. Através da escrita de Annie, também sou levada a escrever. A viver. E não é a mesma coisa?
Annie Ernaux responde a primeira pergunta sobre o Nobel que ganhou recentemente. Ela diz que se sentiu dividida pela grandeza do prêmio e que vai aceitá-lo dentro de alguns limites. Ela quer ter tempo de viver a velhice, já que sobre ela não se pode lembrar. Só será possível viver a velhice e escrever sobre ela enquanto se vive, e não posteriormente. Viver agora, escrever agora. É tudo o que temos. Se tivermos sorte (e tempo) revivemos a vida pelas memórias e pela escrita sobre as memórias. Escrever, nesse sentido, é preservar e transformar a memória e o vivido, ao mesmo tempo. Lembrar é ficção. Escrever é ficção. Por isso, Annie escreve buscando um aprofundamento da memória, que acaba sendo também um aprofundamento da esperança de futuro. Annie escreve para transformar o vivido e o que ainda não vivemos.
Annie contou sobre a experiência de escrever um livro em segredo. Ela escreveu para quebrar com a vida anterior a escrita, a vida que a escrita delata. Ela escreve um livro em segredo para não silenciar, para escrever com a liberdade de escrever só para si, em silêncio. O silêncio sobre a escrita quebra o silêncio. Em silêncio se escreve tudo. Se grita.
A literatura de Annie se encarna, ela é através de uma pessoa, através de um olhar, através de uma história. A vergonha sobre a qual ela escreve em um de seus últimos livros publicados no Brasil já não é mais a vergonha vivida. E eu me pergunto se não é por isso que escrevemos, para transformar o vivido.
Annie fala sobre o preconceito e o machismo que sofreu por ter vencido o prêmio Nobel. Uma mulher que escreve o que ela escreve, sobre o que ela escreve, da forma que ela escreve, e que é desqualificada por isso. Uma tentativa machista e injusta de calar Annie. Que é calar todas nós. A escrita de Annie é uma fonte de liberdade. Uma luta pela liberdade.
Assim termina a roda de conversa, com Annie sendo aplaudida de pé. E eu emocionada com a força da presença dessa mulher. A mesma força e honestidade que me comovem em sua escrita. Annie, que prazer te encontrar. Nas nuvens, nos livros, através das tuas palavras, memórias e vivências.
Que alegria te ter por aqui!
Bruna que gostoso foi ter lido esse texto, me senti como se estivesse dividindo um momento gostoso com quem a gente gosta. E sobre a Ernaux? Tudo ainda por dizer.. ❤️