O amigo, as despedidas, e o vizinho cantando Taylor Swift
Aqui, onde a escrita encontra a vida, e caminha lado a lado com a saudade.
A música alta do vizinho invade a sala. Taylor Swift canta sobre seus amores enquanto o vizinho e mais algumas pessoas (é uma festa? um karaokê? ou só um dia normal na vida de um fã que espera o show do seu artista preferido?) cantam alto acompanhando a música. Na mesma hora me transporto para outro tempo. Estou dentro do carro cantando alto The Weeknd com a minha mãe (Ooo baby, I don`t wanna know). Um nó na garganta. Tem dias que a saudade grita mais que o vizinho ao som de Taylor Swift. Tenho sonhado repetidas vezes que quero abraçar meus pais. Não é um simples querer, é uma necessidade urgente. Não posso abraçá-los, e parece que todos os abraços de dezembro não foram suficientes. Não arrisco contar esse sonho em voz alta. Tenho medo de que o pânico de querer abraçar, e não poder, vire realidade (e já não é?).
Vejo a @literalmentesarah indicando um livro que vai virar filme. Eu gostei de todos os livros que ela já indicou. Esse, no entanto, me captura, me chama. O amigo, de Sigrid Nunez. Eu vejo as fotos das cenas do filme sendo gravadas, e Naomi Watts passeia com um cão gigante. “É disso que eu preciso” digo para mim mesma, sem nem saber o que é exatamente isso de que eu preciso. No dia seguinte vou até à biblioteca do bairro para pegar o livro emprestado. Aproveito para fazer o cartão da biblioteca, o que significa que eu finalmente (oficialmente) me mudei para Meadowbank. O livro é tão lindo, tão triste, tão delicado. Era exatamente disso que eu precisava (ainda não sei colocar em palavras o que exatamente era isso). Me fascina a relação da personagem principal com o cachorro (que ela adotou — ou foi adotada — quando seu amigo morreu). Entre reflexões sobre a morte, a vida, o amor, a escrita, e cachorros, me vi novamente chorando no transporte público (fazia tempos que isso não acontecia). Encontro um pêlo da Filó na minha roupa. Sinto falta de chegar em casa e ser recepcionada por lambeijos. Como é triste a vida sem cachorros. Encontro algum contentamento abraçando cachorros alheios pela rua, especialmente na frente dos supermercados. Essa estratégia já funcionava quando eu morei em Melbourne, há 9 anos.
Fevereiro é um mês de despedidas. Um mês de chegadas (os dois lados inseparáveis dessa moeda chamada saudade). Há 9 anos eu chegava na Austrália pela primeira vez. Há um ano eu chegava em Sydney para começar meu doutorado (e viver um sonho tão sonhado, tão antigo). Às vezes me assusta o quanto a vida pode mudar em tão pouco tempo. Tempo esse que é totalmente relativo. Às vezes parece que faz uma eternidade que eu cheguei aqui. Aqui, onde tudo já foi um sonho. Aqui, onde posso abraçar o meu amor, mas não posso abraçar meus pais. Aqui, onde eu entendi que viveria para sempre no entre. Aqui, onde a saudade é amiga das boas memórias, e, ao mesmo tempo, dor que nunca para de doer. Aqui, onde vivo realizada com a vida que eu criei para mim. Aqui, onde dançamos na cozinha enquanto eu te ensino português e você cozinha pastéis (com massa de lasanha) para mim. Aqui, onde aprendi que podia ficar empolgada com testes estatísticos. Aqui, onde tem uma biblioteca em cada bairro. Aqui, onde não escrevo mais tanto como gostaria. Aqui, onde a vida ultrapassa a escrita. Aqui, onde a escrita encontra a vida, e caminha lado a lado com a saudade.
“What we miss — what we lose and what we mourn — isn’t it this that makes us who, deep down, we truly are.” Sigrid Nunez, The friend
"Aquilo que sentimos falta - aquilo que perdemos e pelo que lamentamos - não é isso que nos torna, lá no fundo, quem realmente somos." - Sigrid Nunez, O Amigo
Bruna, que coincidência boa! Hoje durante uma aula chatissima, resolvi abrir a página da minha newsletter e reli algumas coisas que escrevi. Faz teeempo que não escrevo e nem leio nada. Mas li um comentário teu, ouvindo a tua voz e deu uma saudade de tudo tbm! Saudade do conhecido, do conforto, de casa, do aconchego, de uma coisa que eu nem sei bem o que é tbm. Essa tem vindo com força e frequência! E aí agora recebo a notificação da tua news. Que boa surpresa! Que carinho na alma! Obrigada ❤️