aqui escrevo sobre o infraordinário junto com Georges Perec, Manoel de Barros e Adélia Prado e assim com palavras que abraçam o real e aguçam os sentidos vou descobrindo que o mais importante é o desimportante
“O que acontece realmente, o que vivemos, o resto, todo o resto, onde ele está? O que acontece a cada dia e que sempre retorna, o banal, o cotidiano, o evidente, o comum, o ordinário, o infraordinário, o ruído de fundo, o habitual, como dar conta disso, como interrogá-lo, como descrevê-lo?” Georges Perec
atravessar a rua e abrir os olhos
interrogar o habitual
deixar que ele nos interrogue
o que fazemos todos os dias
faz de nós
quem somos
o desimportante
o que esquecemos
o que você sonhou hoje?
por quantos desconhecidos passou na rua?
o movimento das nuvens
o cantar dos pássaros
as amoreiras carregadas
no caminho de todo dia
“Mas onde está nossa vida? Onde está nosso corpo? Onde está nosso espaço?” Georges Perec
não está no extraordinário
nas grandes conquistas
nos momentos felizes, memoráveis
nossa vida está em cada horinha de descuido
no infraordinário
nas coisas comuns
no tempo que passa
sem sabermos para onde foi
“Interrogar o que parece tão natural que esquecemos sua origem. Reencontrar alguma coisa do espanto” Georges Perec
do que é mesmo espantoso:
a chuva que cai
as estações que mudam
os aviões
chorar
abraçar
a música
a dança
a rua que você mora (que é única no mundo)
“Descreva a sua rua. Descreva uma outra. Compare.
Faça o inventário de seu bolso, de sua bolsa. Interrogue-se sobre a procedência, o uso e o devir de cada um dos objetos que você retirar daí.
Questione suas colheres.
O que há debaixo do seu papel de parede?
Quantos gestos são necessários para discar um número de telefone? Por quê?”
Georges Perec
o cotidiano
tem uma beleza própria
onde nada parece acontecer
tudo nasce
“Eu sempre sonho que uma coisa gera,
nunca nada está morto.
O que não parece vivo, aduba.
O que parece estático, espera.”
Adélia Prado, Bagagem
…
A primeira vez que eu ouvi falar no conceito “infraordinário” foi na entrevista de Tayná Saez com Liliane Prata no podcast Sutilezas Atômicas. Esse conceito me atravessou, me capturou, ficou morando na minha pele, por trás dos meus olhos, e se acendia a cada minúcia desimportante presenciada no dia-a-dia. Depois eu descobri o pequeno ensaio de Georges Perec sobre o infraordinário, intitulado “Aproximações do quê?”.
O infraordinário me atravessa. O punctum, a flecha.
Mas, na minha opinião, quem melhor escreveu sobre o infra-ordinário foi Manoel de Barros, o poeta passarinho:
…
Na última news eu escrevi sobre a cidade e suas transformações, costurando as ideias de Ariela K. e Laurem Elkin. A Ariela fez me enviou um comentário tão lindo e importante que eu fiquei com vontade de compartilhar aqui para continuarmos a conversa:
“Bruna, fiquei pensando nesse seu texto. Recentemente levei o meu marido americano pela primeira vez a São Paulo, que foi onde cresci. Vários lugares das minhas memórias afetivas não existem mais. Não só o meu colégio foi demolido e virou um prédio residencial, como todo o bairro de Pinheiros está em processo de virar uma outra coisa. E é estranho que esses lugares vão só existir na memória.
Se isso fosse só uma perda individual, seria uma coisa. Mas a gente tem passado o rolo compressor na história das cidades, na história do país. Na Avenida Paulista não sobrou quase nada da era do café, um tempo importante pra explicar quem somos e pra falar da imigração no país. Faltam museus em memória da escravidão, a principal ferida do Brasil. E é interessante porque alguns dos momentos mais inspiradores que tive em São Paulo foram nos museus, tanto o Itaú Cultural quanto a Japan House - não porque eles celebrem o passado, mas porque eles dão um senso de possibilidade pro futuro. Se a gente já fez tanta coisa, o que mais não podemos fazer? De outra forma, ficamos fixados em um eterno presente. Beijos”
Ariela K.
A visão das plantas - Djaimilia Pereira de Almeida
Um jardim, uma casa, um velho. Uma história inteira escrita nas entrelinhas. Um personagem que escapa de qualquer dualidade. A velhice, a dor, a decrepitude. A natureza humanizada, humanizante. O passado, a alma, a memória. Um livro, um espelho.
“Quase fora deste mundo, o jardineiro deixara de ser o jardim, porque o jardim se tornara jardineiro do jardineiro.”
#desafio13livros
Esse texto maravilhoso de Aline Valek
Fui no cinema ver Ingresso para o paraíso e dei boas risadas!
Que alegria te ter por aqui!
"Questione suas colheres" ❤